“Comeria/Não comeria” não pode, mas “Abre as pernas e dê uma sentadinha”, pode?

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Foi grande a repercussão que causou um site de Quixadá ao expor de forma criminosa fotos de universitárias e perguntar aos seus usuários, obviamente com conotação sexual, se eles ‘comeriam’ ou ‘não comeriam’ as mulheres expostas ali. Jornais de grande circulação no Estado, tais como o Diário do Nordeste, OPovo, G1, Tribuna do Ceará e outros, fizeram questão de noticiar o assunto.

Não se questiona aqui a natureza criminosa do site ao direcionar suas provocações a pessoas específicas, expondo-as como objetos para a avaliação pública; porém, o “comeria/não comeria” abre margem para debatermos a natureza mutante do tipo de moralidade presente em nossa sociedade. Isto porque o que ofende em determinadas circunstâncias, com maior força e de forma ainda mais direta, com uso de termos mais depreciativos, não ofende em circunstâncias diferentes. Senão vejamos.

Sabemos que em nossa cultura, a palavra “rapariga” é, geralmente, usada para referir-se a prostitutas e outras variações do gênero. É, portanto, ofensiva a muita gente. Numa discussão acirrada, não é incomum que um dos contendedores perca o pudor e diga: “você é uma rapariga”, ou “sua rapariga” e, ainda, “filho de rapariga” e semelhantes.

Na verdade, a existência de uma moral mutante em nossa sociedade é tão real que apenas o parágrafo anterior, com a repetição da palavra “rapariga”, já deve ter incomodado uns dois ou três que, não obstante, aceitam mais e maiores baixarias em outras circunstâncias.

O fato é que nenhuma mulher no Brasil, a menos que não tenha restrições a ser assim identificada, gostaria de ser chamada em público de rapariga. E, no entanto, vocalistas de bandas de forró alegremente as chamam exatamente assim, e encontram em muitas delas uma reação de acolhimento ao uso do termo. Claro que eles não especificam o nome de pessoas, mas se se referem às mulheres presentes, é lógico que a expressão que utilizam é direcionada a elas.

‘Tem rapariga aí? Se tem, levante a mão!’, perguntou no início do show certo vocalista citado pelo  crítico musical José Telles, sobre as mais recentes letras de forró. Segundo Telles, nestas ocasiões a maioria das moças levanta a mão. Mas “rapariga” é apenas uma das palavras prediletas dos vocalistas para qualificarem pessoas, lugares e ocasiões. Outras são ‘gaia’, ‘cabaré’, ‘puteiro’ e bebida em geral, com ênfase na cachaça.

Preste atenção nos títulos de algumas letras: Calcinha no chão (Caviar com Rapadura), Zé Priquito (Duquinha), Fiel à putaria (Felipão Forró Moral), Chefe do puteiro (Aviões do forró), Mulher roleira (Saia Rodada), Mulher roleira a resposta (Forró Real), Chico Rola (Bonde do Forró), Banho de língua (Solteirões do Forró), Vou dá-lhe de cano de ferro (Forró Chacal), Dinheiro na mão, calcinha no chão (Saia Rodada), Sou viciado em putaria (Ferro na Boneca), Abre as pernas e dê uma sentadinha (Gaviões do forró), Tapa na cara, puxão no cabelo (Swing do forró).

O que achou? Combinam com que tipo de moralidade?

Não há justificativa para a exposição criminosa feita pelo criador do site que constrangeu universitárias de Quixadá. Elas merecem saber quem foi o indivíduo que as expôs desta forma e devem exigir sua punição segundo os rigores da nossa legislação. Mas a aparente paradoxalidade de posicionamento exibida nas reações de quem tomou conhecimento da questão levanta, sem dúvidas, um debate sobre a natureza da nossa moralidade.

Por que um site anônimo que sugere pontuações de cunho sexual é encarado de um jeito enquanto vocalistas famosos que chamam as mulheres presentes aos seus shows de “raparigas”, “quengas”, “roleiras” e muito mais, são encarados de outra forma? Em que ponto ocorre a diferenciação e em que ponto a mutação da moralidade acontece? “Comeria/Não Comeria” não pode, mas “Abre as pernas e dê uma sentadinha”, pode?

Com a palavra, os leitores.

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Comentários

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  1. Juro que eu não vi nenhuma generalização aí. Juro que eu não o vi citando que todos os cantores de bandas de forró, usem esses termos vulgares para se referir ao público feminino!

  2. Primeiro: o texto “Tem Rapariga Aí?”, citado na matéria como sendo de Ariano Suassuna, foi, na verdade, escrito pelo crítico musical José Telles, colunista do Jornal do Commércio (com dois “êmes” mesmo), de Pernambuco.

    Segundo, não quero aqui negar ou defender a vulgaridade de algumas letras de canções de bandas deste famigerado forró eletrônico. Elas existem e devem ser repudiadas. Eu mesmo, salvo raríssimas exceções, detesto tal estilo. Contudo, é sempre bom fazer uma análise mais apurada antes de se cometer injustiças. O forró eletrônico não é apenas uma coleção de bandas que se unem para expandir “a putaria”. As bandas de forró eletrônico não executam canções apenas com temáticas sexistas. Essa é uma crítica comum e um erro que muitos analistas cometem ao ver e dizer o forró eletrônico. Não se pode colocar todos na vala comum. Bandas como Limão com Mel, Magníficos, Noda de Caju, Bonde do Brasil, dentre outras, não utilizam linguagem escrachada em seus trabalhos.´

    A generalização é perigosa, mas a crítica foi muito válida.

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