O judiciário afrontado em Quixadá pelo machismo e pela truculência é um péssimo sinal

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Ana Cláudia Gomes de Melo é Juíza Titular da 2ª Vara da Comarca de Quixadá.

Ana Cláudia Gomes de Melo é um nome bem conhecido na Terra dos Monólitos. Ela aparece com certa frequência no noticiário, em geral quando há decisões judiciais de grande impacto sobre a sociedade quixadaense.

Ana Cláudia é juíza, responde pela 2ª Vara da Comarca de Quixadá e tem uma rotina, digamos, diferente da maioria dos cidadãos. Numa região marcada pela violência e por disputas acirradas entre grupos políticos, seu trabalho requer, quase sempre, uma boa dose de coragem.

No dia 02 deste mês, apenas a título de ilustração, a Douta Magistrada precisou sair de Quixadá escoltada por um grupo de policiais militares. O aparato de segurança foi essencial para garantir sua integridade. Não é incomum que este tipo de procedimento seja solicitado, dado o alto risco da profissão que ela exerce.

JUDICIÁRIO AFRONTADO

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Augusto César Fernandes Lima, o Duda, é o presidente da Câmara Municipal de Quixadá.

Em episódio ocorrido há poucos dias, o presidente da Câmara Municipal de Quixadá, vereador Augusto César Fernandes Lima, o Duda, parlamentar cuja liderança é respeitada por muitos neste município, comportou-se de um modo totalmente incompatível com sua boa reputação e função pública. Empederniu-se o nobre vereador a contestar uma decisão judicial usando de duas coisas pelas quais tenho particular repulsa: machismo e truculência.

Duda usou a tribuna da Casa Legislativa e, num duro discurso, condenou sem meios termos a decisão judicial que resultou no fechamento do matadouro público de Quixadá. Suas palavras ácidas, carregadas de machismo e de truculência, tiveram como alvo exatamente a juíza Ana Cláudia Gomes de Melo.

Obviamente descuidado em sua argumentação, Duda direcionou as críticas ao julgador errado. A decisão que interditou o matadouro não partiu da Dra. Ana Cláudia, mas do juiz da 1ª Vara, Dr. Adriano Ribeiro Furtado Barbosa que, aliás, como manda a Constituição, fundamentou sua decisão de modo irretocável.

Ao meu ver, Duda quis se apresentar como defensor de um interesse público, o que em sua função é perfeitamente normal e até esperado, principalmente em período eleitoral. Usou, no entanto, a via da ofensa contra o poder judiciário, o que não pode ser considerado aceitável numa sociedade civilizada e que se pretende pautada no estado democrático de direito.

“Naturalmente, eu sofro pressões de grupos políticos, e ainda ter uma pessoa que é chefe do poder legislativo insuflando a população contra minha pessoa é preocupante, porque vai virar barbárie se a gente deixar isso passar. Nós não estamos nas cavernas. Tem um momento no pronunciamento dele em que ele diz que não quer saber de norma nenhuma. Se ele não quer saber de normas, ele não pode viver num estado democrático de direito e não pode sequer se candidatar a nada”, disse a magistrada durante reunião com membros da imprensa de Quixadá na última terça-feira, 06.

Com razão, a magistrada considerou o discurso de Duda como “mensagem irresponsável” que serve apenas para insuflar a violência e desmoralizar o poder judiciário.

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Antônio Alves de Araújo, juiz presidente da Associação Cearense de Magistrados (ACM).

Antônio Alves de Araújo, juiz presidente da Associação Cearense de Magistrados (ACM), por sua vez, qualificou o discurso de Duda contra a juíza Ana Cláudia como “desatinado, desarrazoado, despropositado, um impulso tresloucado, sem equilíbrio”. “Parecia até que o presidente da Câmara havia perdido, naquela ocasião, todo o uso da razão”, disse.

VIA RECURSAL

Até que se esgotem todas as possibilidades legais, nenhuma decisão judicial é incontestável. Mas, é bom entendermos que há meios corretos – uma via recursal prevista no direito -, para se realizar tais contestações, sem que seja necessário partir para atitudes agressivas que em nada contribuem para o bem estar geral da sociedade e que, noutra ponta, ferem direitos individuais.

Ao insinuar que a Dra. Ana Claúdia faz em Quixadá o que bem entende e ao afirmar que não há homem no município que imponha limites a ela, Duda estraçalhou com algo que é fundamental para a manutenção da paz social: o respeito entre as instituições. O chefe do poder legislativo, efetivamente, lançou dúvidas sobre a idoneidade moral da magistrada e, por extensão, do poder judiciário local, adotando uma postura de resolver os assuntos de forma autoritária.

Vale a reflexão.

Não, juízes não são perfeitos. Alguns deles se comportam como verdadeiros deuses, pairando pomposamente acima de tudo e de todos. Vários casos noticiados pela imprensa em diferentes partes do Brasil mostram isto. Daí a querer dizer que todos os juízes são assim e que o abuso do poder é a regra, são outros quinhentos. Generalizações deste tipo são desnecessárias, prejudiciais aos interesses coletivos e burras.

Segundo informou o presidente da AMC, Dr. Antônio Alves, ações judiciais contra Duda serão propostas, tanto na esfera cível como na esfera criminal.

O episódio que, certamente, ainda deverá dar muita dor de cabeça ao atual presidente da câmara, mostra que, em Quixadá, chegamos a um ponto perigoso.

Quando um vereador se arvora na disposição de ferir os direitos individuais de uma magistrada, isto é um péssimo sinal. Exercer cargo político não dá a ninguém a espécie de poder que não precisa levar em consideração os direitos alheios. Ora, se um político se sente disposto a ofender magistrados, o que um cidadão comum pode esperar?

No áudio a seguir, escute as considerações dos magistrados sobre este caso: 

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13076605_1139166942789841_2340143932051734232_nPor Gooldemberg Saraiva




Comentários

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  1. Parabenizo ao autor do post pela clareza e objetividade na divulgação do assunto. O nobre vereador abusou do direito de crítica e transbordou para o cometimento de ilegalidade imcompativel com a nobre função que exerce e deve por isso sofrer as coisas sequências de sua irresponsabilidade.

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