Uma ordem judicial respaldou a retirada de cerca de 340 famílias que moravam em um terreno de 116 mil m² na Comunidade Alto da Paz, no bairro Vicente Pinzon. Às 6 horas de ontem, dois oficiais de Justiça, 130 policiais do Batalhão de Choque, 20 da Cavalaria e dez do Canil chegaram ao local ordenando a desocupação. Houve confronto, feridos, desespero, bala de borracha, bomba de efeito moral e pedras rasgando o céu. Havia adultos e crianças sem ter para onde ir e a promessa da Prefeitura, proprietária do terreno, é de que 219 famílias da comunidade terão direito a um dos 1.472 apartamentos que serão erguidos no local.
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Quatro tratores se encarregavam de colocar paredes – de tijolo ou papelão – no chão. Duzentos capatazes da Prefeitura ajudavam moradores a transportar móveis e eletrodomésticos para cerca de 30 caminhões que levariam os utensílios para casa de parentes ou para o depósito da Secretaria Regional (SER) II, no Centro. A ordem, conforme o oficial de Justiça Demitri Gomes, era “retirar, verificar e derrubar”. As cenas, entretanto, mostravam a desordem com qual a operação era feita.
Sob gritos de “bora, bora, bora”, homens, mulheres e muitas crianças corriam com seus pertences, os encostavam à beira da via principal e esperavam. Pedras eram jogadas de dentro da comunidade e a resposta chegava em forma de balas de borracha e bombas de efeito moral. Um desses artefatos, inclusive, não chegou a ser detonado e foi capturado novamente pelos policiais. Segundo o socorrista Felipe Menezes, até o meio-dia, cinco pessoas haviam sido atendidas em uma das duas ambulâncias do Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (Samu) no local, entre elas um policial com ferimento na face, uma senhora com ferimento na cabeça, um homem com ferimento de bala de borracha e uma gestante com uma pancada na barriga.
Moradores
A gestante que esteve no Samu foi Girlane de Queiroz, 21, funcionária de um buffet, grávida de oito meses. O irmão dela, David Queiroz, 15, se envolveu em um embate com os PMs e foi um dos alvejados com a munição de impacto reduzido. “Na confusão, um dos policiais caiu do cavalo e bateu na minha barriga. Ele não falou nada, aí uma menina me pegou e levou para a ambulância”. Uma hora depois ela ajudava a mãe a desmontar o beliche onde dorme. “A gente sabia que teria de sair, mas não avisaram que seria hoje, nem desse jeito”.
Simone de Sousa, 41, doméstica, também viveu o drama de não ter mais casa em apenas cinco minutos. Correndo para tirar o que podia, ela acompanhou a destruição feita pelo trator. “Gastei R$ 9.500 para construir e não consegui tirar nenhuma telha, nenhum caibro… Vou voltar para casa da minha sogra, com meu marido e meus quatro filhos”, afirmou. De acordo com informações da Fundação de Desenvolvimento Habitacional de Fortaleza (Habitafor), apenas uma família, com sete membros, foi identificada com a necessidade de um lugar para ficar provisoriamente. Eles foram encaminhados para abrigo da Defesa Civil. A maioria dos relatos de moradores, entretanto, era de incerteza quanto ao destino.
Há cerca de dez dias, de acordo com os moradores, foram assinados termos de compromisso junto à Habitafor. No documento, as famílias aceitavam o despejo em troca de um dos 1.472 novos apartamentos e, durante os meses de construção, receberiam uma ajuda de custo de R$ 100, paga pela construtora responsável pela obra, e uma cesta básica. “A gente sabia que precisaria sair, algumas pessoas assinaram e outras não. Mas o prazo dado era outro, ia até março. Não era assim, desse jeito, com essa confusão”, contou a doméstica Maria Pastora Alves, 25.
Saiba mais – A ordem judicial foi expedida, em setembro de 2013, pela juíza Joriza Magalhães, da 9ª Vara da Fazenda Pública. A magistrada foi responsável também por expedir a ordem judicial para desocupação do Cocó, em agosto do ano passado.
Segundo o comandante do Batalhão de Choque, Alexandre Ávila, houve informes de moradores portando armas de fogo. Nenhum foi encontrado.
Durante a manhã de ontem, foram registrados quatro momentos de confronto entre PMs e moradores. Um quinto aconteceu entre um policial e o estudante de publicidade Felipe Oliveira, 19, que filmava a atuação do batalhão.
Conforme a Prefeitura, até sábado os novos apartamentos devem começar a ser construídos. Até o meio-dia de ontem, segundo o oficial de Justiça Francisco Rolando, apenas 30% das casas haviam sido derrubadas.
Alguns moradores ameaçaram acampar em frente a prédios públicos da Prefeitura.
De acordo com a Habitafor, a construção das unidades residenciais já está licitada e, como primeira medida, empresa responsável pela obra deverá colocar tapumes no terreno.
Durante a tarde de ontem, os ânimos já estavam calmos na desocupação. Muitas pessoas aguardavam – com malas e embrulhos prontos – pelos caminhões. Mesmo assim, homens da Cavalaria, do Corpo de Bombeiros e da Guarda Municipal ainda permaneciam no local. Alguns pontos de fogo e fumaça – formados durante os confrontos da manhã – ainda podiam ser avistados.
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Fonte: O Povo e Fotógrafo Davi Pinheiro