Você autorizaria um enfermeiro a realizar um procedimento cirúrgico que apenas um médico treinado estaria autorizado a fazer? Mesmo que o enfermeiro tivesse anos de experiência, e mesmo que ele dissesse que já havia realizado o procedimento em outras pessoas, tendo até bons relatos da parte delas, é muito provável que você rejeitasse essa opção e que procurasse um médico habilitado para realizar o procedimento com segurança. Afinal, com saúde não se brinca.
No ano passado, o caso de um enfermeiro que se passava por médico na UPA do município de Quixadá gerou grande repercussão e levantou questões importantes sobre a segurança da sociedade em face da atuação de profissionais que se dispõem a ir além do que estão autorizados a fazer na área da saúde.
Ocorre que neste município do Sertão Central, a exemplo do que acontece em muitos outros, cidadãos tem colocado sua saúde em perigo ao entregarem o trato de problemas odontológicos exclusivamente aos cuidados de fabricantes de dentadura sem formação adequada e, às vezes, sem autorização para atuar no ramo.
PAPEL DO PROTÉTICO E EXERCÍCIO IRREGULAR DE ATIVIDADE RESERVADA
De acordo com os Conselhos Regionais de Odontologia, o técnico em prótese dentária (TPD) é parte integrante da odontologia. Ele tem como função confeccionar a parte laboratorial das próteses dentárias. Seu trabalho envolve fundição de metais, aplicação de cerâmicas, confecção de núcleos, de copings, montagem de dentes em dentaduras, acrilização, etc. O protético, no entanto, não pode mexer na boca do paciente tal como o dentista. A legislação brasileira autoriza apenas os dentistas a fazerem isto.
Cada vez que uma pessoa é atendida direta e exclusivamente por um protético, é como se ela deixasse uma enfermeira realizar um procedimento que é da alçada apenas de profissionais médicos.
Na via normal e legal dos tratamentos, para fazer uma dentadura, por exemplo, o dentista é responsável por toda a avaliação de como esta prótese vai ser, como vai ficar a mordida e até qual vai ser a cor dos dentes. O dentista vai examinar toda a boca do paciente, ver o rebordo ósseo, a mucosa, além de fazer um exame geral de saúde. O dentista será o único responsável pela prótese.
Em Quixadá, no entanto, há laboratórios em que os fabricantes de dentaduras realizam todo esse serviço sem nenhuma supervisão direta de um profissional dentista. Alguns destes fabricantes nem mesmo escondem que não possuem autorização para executar os procedimentos. Eles recebem os pacientes, realizam avaliação e diagnóstico dos casos, fazem molduras e, efetivamente, mexem na boca dos pacientes, tudo com base apenas na “experiência”, sem nunca terem sequer pisado na sala de aulas de uma faculdade.
Noutros casos, para escapar da fiscalização e enganar as autoridades, o indivíduo monta um laboratório, coloca no nome de um profissional dentista – geralmente um parente ou amigo – mas faz tudo sozinho, ou então contrata outras pessoas sem formação e sem registro no Conselho Regional de Odontologia para auxiliá-lo no processo de fabricação. Estas também atuam de forma irregular.
VIOLAÇÃO DA LEI
O artigo 5.º, inciso XIII, da Constituição Federal, veta o exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão que não atender às qualificações que a legislação estipula para cada caso. Além disso, o artigo 47 da Lei de Contravenções Penais pune o exercício irregular da profissão com prisão e multa.
Sendo assim, o fabricante de dentaduras que realiza procedimentos reservados exclusivamente aos dentistas está violando a lei. Ademais, pela inexistência de formação adequada, está colocando em risco a saúde das pessoas. De fato, o exercício irregular de qualquer uma das ramificações da odontologia, inclusive da fabricação de dentaduras, pode resultar em complicações graves, como a contaminação por doenças tais como: Hepatite, HIV, herpes e infecções bacterianas, todas geradoras de sequelas indesejáveis.
Algumas pessoas que empreendem a fabricação irregular de dentaduras, inclusive no município de Quixadá e em outras cidades do Sertão Central, são simples e esforçadas. Na maioria dos casos, o que motiva a conduta errada delas não é uma disposição criminosa, mas a mera necessidade de usar habilidades práticas adquiridas para sobreviver, o que de modo algum justifica exercerem atividades reservadas ao profissional dentista.
No caso de outros, porém, bem mais estruturados neste ramo, a ganância parece ser o fator sobrejacente e motivador de suas condutas irregulares. Tais indivíduos realmente não parecem demonstrar nenhuma preocupação quanto a se estão ou não violando a lei; enganam pacientes com uma falsa aparência de legalidade e prosseguem expandindo seus negócios. São verdadeiros enganadores e aproveitadores da ignorância popular.
PROTEJA-SE DE ENGANADORES E PRESERVE SUA SAÚDE
Como saber se um fabricante de dentaduras atua na ilegalidade? É simples: ele não pode mexer na boca do paciente. O trabalho normal de um protético é restrito a modelos de cera ou gesso fabricados sob orientação de um dentista. Qualquer atuação que contrarie esta lógica é indicação de que o fabricante e o laboratório em que ele trabalha atuam nas sombras da clandestinidade, colocando a saúde das pessoas em risco.
Mesmo quando o fabricante de dentaduras atua apenas na confecção das próteses, sem mexer na boca dos pacientes, ele e todos os demais envolvidos no processo de fabricação precisam estar registrados no Conselho Regional de Odontologia. Assim, por segurança, o paciente deve perguntar ao dentista que se responsabilizará por sua prótese dentária se o protético que trabalha com ele está em situação regular e se tem preparo para atuar. Se for o caso, peça documentação que comprove isto.
Outra sugestão prática é perguntar em que horário atende o dentista cujo nome está exposto publicamente como responsável pelo laboratório no qual a prótese será produzida. Fiscalizações do CRO no Ceará já mostraram que, em alguns casos, o dentista mora em outra cidade e dificilmente aparece no laboratório ao qual emprestou seu nome. Uma placa que expõe o nome de um dentista quando ele não é, de fato, quem supervisiona as atividades do local é só uma parte do esquema irregular, criminoso e desonesto que ameaça seriamente a saúde dos cidadãos.
A população pode ajudar denunciando os fabricantes de dentaduras que atuam como dentistas para o Conselho Regional de Odontologia e ainda para a polícia, já que o exercício ilegal da profissão é crime previsto no Código Penal Brasileiro (CPB). No Ceará, denúncias podem ser feitas ao CRO através dos seguintes números: 0800 275 0530 ou 85 98802 9600. O conselho também mantém uma página no Facebook.
CRO AUMENTARÁ FISCALIZAÇÃO
O site oficial do CRO-CE apresenta apenas duas delegacias do órgão no interior do estado, uma em Juazeiro do Norte, na região do Cariri, e outra em Sobral, na Zona Norte. No entanto, já se sabe que o conselho abrirá uma delegacia no Sertão Central, e esta funcionará em Quixadá. O Monólitos Post já entrou em contato com o dentista que será o delegado do CRO na região. Nos próximos dias publicaremos matéria com a entrevista que será feita com ele e com outros profissionais do ramo, onde importantes questões de interesse público serão esclarecidas.
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Colaborou: Gooldemberg Saraiva