Por sua própria natureza conceitual, a democracia requer mudanças e envolve riscos de que uma ou outra escolha não deem certo.
Adolf Hitler, o alemão que não era nada democrático, escreveu em seu livro Minha Luta que a sociedade jamais teria condições de escolher com sabedoria seus representantes. De acordo com ele, o povo é muito influenciado por conceitos diversos que lhe cegam a capacidade de escolher bem. O que Hitler oferecia em troca, no entanto, era a opção pela continuidade ditatorial. De fato, ele queria construir um Império de Mil Anos. Coisa de louco. A democracia pode não ser sempre inteligente, mas é de longe o melhor modelo à disposição.
Em Quixadá, um fenômeno interessante começará a se tornar cada vez mais evidente ao passo que o pleito eleitoral deste ano e de 2016 forem se aproximando. Trata-se do uso político da decepção popular com a eleição de João Hudson para atacar, em nome dos interesses de certos grupos, o que a democracia tem de mais importante, isto é, sua capacidade de oferecer lideranças novas e, assim, impedir a continuidade de poder que pode assumir características cada vez mais ditatoriais. No que diz respeito ao Governo Federal, por exemplo, o autor desta coluna já defendeu que o PT comece a pensar em abandonar o poder a partir de 2018. Não queremos que o Brasil se transforme numa Venezuela.
O discurso que assumirá cada vez mais força na voz de certos grupos políticos em Quixadá diz, em sua nota principal, que o povo da Terra dos Monólitos não deve mais “arriscar-se a acreditar” em nomes novos. Com isto, desejam garantir que velhos nomes assumam novamente as rédeas do município.
As seguintes perguntas, no entanto, não podem deixar de ser feitas: Quixadá deve manter-se preso aos mesmos nomes para sempre? Plantar o medo da mudança por causa da decepção com a eleição de João Hudson não é castrar a democracia? “Cuidado com a mudança!”, “Vão arriscar de novo?”, esta será a tônica do ataque à democracia, disfarçado de boas intenções, que ganhará cada vez mais espaço nos próximos meses. Defender tais posturas é como defender o aborto: só o faz quem já nasceu. Qual grande grupo no poder defenderia essas posturas quando ainda era pequeno? Essas colocações são sintomas de disputas entre grupos, picuinhas partidárias, não características do debate que realmente importa na democracia.
Em vista disto, alguns conceitos precisam ser questionados:
CONCEITO 1: A culpa da atual situação de Quixadá é do ex-prefeito Ilário Marques. Não creio que seja razoável pregar uma ideia assim. Ilário tem sua medida de responsabilidade pela situação atual de Quixadá, assim como todos os que já administraram o município. O discurso de que ele é culpado por tudo simplesmente não é verdadeiro. O conjunto da obra não pertence a Ilário Marques, mas a fatores diversos, às vezes, além do controle do ex-prefeito.
CONCEITO 2: Quem apoiou João Hudson é culpado pelo desastre administrativo atual. Este é o tipo de conceito que nasce da falta de uma compreensão mais ampla do que é, de fato, a democracia.
A liberdade de apoiar este ou aquele candidato é o tutano do osso da democracia. Acusar quem apoiou João Hudson de ter culpa pela desastrosa administração é afirmar que a democracia não presta, não funciona e é defender o mesmo conceito de Adolf Hitler sobre o tema. É uma ideia simplesmente intragável. Este colunista, embora não tenha apoiado em nada a candidatura de João Hudson, jamais se sentiria livre para chamar de culpados aqueles que o fizeram.
É verdade que grupos de mídia e lideranças políticas específicas se juntaram para apoiar João. Negar isto é querer fazer as pessoas engolirem uma ideia inverídica. O que tem que ser analisado é o seguinte: Qual é o problema de terem feito isto num ambiente democrático? Embora a mídia tenha grande poder de influência, em última análise, a decisão de eleger este ou aquele candidato é do eleitor, só dele. Ele escolhe acreditar no que quiser entre as quatro paredes da cabine de votação.
Assim, usar este raciocínio da culpa para atacar os grupos que acreditaram e apoiaram João Hudson é, na verdade, atacar o eleitor e atacar a liberdade de imprensa. E fazer isto é simplesmente agredir a democracia, nos mesmos moldes defendidos por Hitler. Não há esse tipo de culpa na democracia. O medo da mudança e o medo de tentar melhorar jamais deveriam ser os fatores norteadores das escolhas democráticas.
O ex-prefeito Ilário, por exemplo, costuma dizer em relação à sua derrota nas urnas em 2012, que foi “vítima de uma fraude eleitoral promovida pela mídia de Quixadá”. Como já demonstrado, o argumento cai por terra quando é colocado sob a luz do livre jogo democrático. Em vez de vítima de fraude eleitoral, Ilário simplesmente não foi escolhido pelo maior número da população, por fatores completamente válidos dentro do livre exercício da democracia. Por mais que este colunista não quisesse ter visto a vitória de João Hudson, não se sente livre para acusar de fraudados ou fraudadores quem apenas fez escolhas diferentes.
O argumento de Ilário se torna ainda mais indefensável quando se constata que, em 2012, houve tentativa de acordo para que João Hudson, peça principal do grupo acusado por ele de ter praticado fraude eleitoral, fosse o vice na chapa encabelada pelo PT. Não houve consenso. Ainda ofereceram o nome de Pedro Baquit para ser vice de Ilário, mas o petista não aceitou.
Essa discussão de quem é o culpado eleitoral pelo desastre administrativo é coisa de bate boca de rua, pois os políticos se sentem livres para efetuarem acordos dos mais variados. Não há culpas na democracia, o que existem são consequências de escolhas livremente feitas.
CONCEITO 3: É melhor continuar com os mesmos representantes na Assembleia Legislativa. Uma renovação pode ser desastrosa. Novamente, quem argumenta assim usa como base o caso da decepção popular com a eleição de João Hudson. No entanto, será que o medo é a melhor base para que o eleitor faça sua escolha para o legislativo estadual? Não seria bem mais interessante que o eleitor pesasse as vantagens e desvantagens de continuar com as mesmas opções que tem usado desde fins dos anos 1990 do século passado? Repito: a democracia nem sempre produz as escolhas mais sensatas, mas o medo de fazer novas escolhas adoece a democracia e torna o povo vítima de poderes que se perpetuam indefinidamente sem, contudo, produzirem os resultados desejados.
São quase 20 anos com as mesmas opções. Há quem raciocine assim: “Ruim com eles, pior sem eles.” Quem defende esse tipo de postura usa o medo para justificar a continuidade do poderio político de grupos de sua preferência. O debate realmente válido é o seguinte: o que estas opções tem produzido? Existem vantagens em mantê-las no poder? Quem são os novos nomes oferecidos? O que eles tem a dizer? Como os novos nomes oferecidos ao povo pretendem atuar de maneira mais produtiva? Esta é a discussão legítima na democracia.
Conclusão: Fazer novas escolhas não é aventurar-se, é exercer um direito constitucional. Obviamente, este direito precisa ser usado com responsabilidade. A devida análise deve ser feita em cada caso, e todo nome novo que surja como opção, quer para a disputa estadual, quer para qualquer outra, precisa ser questionado, desafiado a explicar-se e inquirido sobre como pretende ser mais eficaz do que os que já estão postos.
Os nomes que já estão no poder e que pretendem se perpetuar nele, também não deveriam considerar impróprio que a população avaliasse novas opções. Aliás, quanto mais tempo alguém passa no poder, mais vícios nocivos aos interesses públicos tendem a surgir. Finalmente, a perpetuação irreversível no poder pode ser tudo, menos democracia.


