No Facebook: Mudar ou não mudar a foto de perfil em solidariedade aos parisienses?

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facebook_frança-692x360Pois é. O aplicativo da bandeirinha da França no Facebook se transformou naquele tipo de questão em torno da qual o debate, absolutamente irrelevante do ponto de vista da praticidade, surpreende pela capacidade de envolver os usuários da famosa rede social.

Como pano de fundo, dois episódios lamentáveis, ambos dignos de repulsa: a catástrofe ambiental em Minas Gerais e o ataque terrorista em Paris.

Em solidariedade aos cidadãos parisienses e às demais vítimas da barbaridade terrorista, muitos usuários do Facebook mudaram sua foto de perfil para exibir uma marca d’água com a bandeira francesa. Um gesto simbólico que, propriamente, nada tem de errado. Se é assim que alguém escolhe demonstrar sua compaixão, tudo bem. O gesto é válido.

Uma legião de outros usuários do Facebook, porém, não gostou da atitude e expressou abertamente sua desaprovação. Citam, por exemplo, que os usuários do Facebook em Paris não mudaram seus perfis quando o incêndio na Boate Kiss, aqui no Brasil, matou mais de 200 pessoas. Dizem, ademais, que o correto seria colocar nos perfis uma marca d’água indicando lamento pelas vítimas da tragédia ambiental em Minas Gerais.

A catástrofe em Minas Gerais foi, de fato, monumental. Dando uma dimensão do ocorrido, o jornal Folha de São Paulo publicou o seguinte neste domingo, dia 15: ” Sessenta bilhões de litros de rejeitos de mineração de ferro –o equivalente a 24 mil piscinas olímpicas– foram despejados ao longo de mais de 500 km na bacia do rio Doce, a quinta maior do país. Segundo ecólogos, geofísicos e gestores ambientais, pode levar décadas, ou mesmo séculos, para que os prejuízos ambientais sejam revertidos. Destruídos pelo tsunami marrom, que deixou ao menos sete mortos e 15 desaparecidos, os distritos de Bento Rodrigues e Paracatu de Baixo devem se transformar em desertos de lama.”

Como não se sentir absolutamente impactado por isto? Mas nenhuma campanha de solidariedade com marca d’água para os perfis foi planejada para este fato. E isto incomodou muita gente. Para saciar a sede de “justiça” de alguns, não faltaram aqueles que misturaram lama com a bandeira da França, para representar a tristeza pelos dois episódios.

Eu, particularmente, escolhi não aderir à campanha da bandeirinha. Não por ausência de solidariedade e não por entender que publicar a bandeirinha automaticamente dissesse algo sobre minha atitude em relação ao desastre em Minas Gerais, ou aos demais desastres que acontecem no Brasil. Vivemos num país em que, em média, mais de 50 mil pessoas são assassinadas anualmente, por exemplo. Isto, com certeza, merece ser lamentado à exaustão.

No Facebook, expliquei assim minha rejeição à bandeirinha francesa nos perfis: “Pelas vítimas inocentes e pelas famílias e amigos que estão sofrendo, sim, eu lamento. Tanto pelas mais de cem lá de Paris quanto pelas centenas de milhares que sucumbiram às mãos de uma coalizão de exploração da qual a bandeira mais famosa hoje nos perfis do Facebook faz parte. Infelizmente, em vez de manifestar repúdio à violência, o aplicativo da bandeirinha te oferece um lado na guerra para defender. Eu não vou fazer essa escolha.”

Este, claro, é um entendimento meu, particular, ao qual ninguém é obrigado a aderir. Com certeza, aliás, nada tenho contra o gesto de publicar foto com a bandeira francesa, desde que ele represente meramente solidariedade às vítimas inocentes. Toda compaixão é válida. Tentar controlar a maneira como as pessoas demonstram esta maravilhosa qualidade ou mesmo tentar controlar em que direção ela deve ser demonstrada é tolice.  Sou da opinião de que devemos deixar o espírito humano livre, em absoluto, para expressar solidariedade e compaixão a quem, como, e quando quiser.

Comparar tragédias, priorizar desastres, limitar nossas expressões de afeto e compaixão, certamente não parece amoroso, nem justo, nem coerente e nem inteligente. Quando citei as centenas de milhares de pessoas inocentes que morreram no oriente médio vítimas da coalizão liderada pelos EUA – e da qual a França faz parte -, não foi para comparar, mas para expressar, meramente, que por eles também sinto muito.

Por estes inocentes, publicar a bandeira da França me causaria incômodo, já que não se costuma fazer gesto semelhante de solidariedade em razão do imenso, terrível, cruel e inaceitável sofrimento ao qual sociedades inteiras estão expostas pelas ações de países como a França. Repito: este é um sentimento e entendimento meu.

Aliás, se os parisienses não mudaram seus perfis quando aconteceu a tragédia na boate Kiss, isto depõe contra eles, não contra nosso povo. Ou, no mínimo, diz algo sobre a imprensa de lá que, convenhamos, não dá ao Brasil a mesma importância que a imprensa brasileira dá à França. Ora, seja como for, o simpático brasileiro não deve se deixar moldar pela rudeza de ninguém. Toda compaixão é válida. E nossa empatia merece elogios, não reprovação.

Portanto, se você colocou a bandeirinha da França em solidariedade, tudo bem. Se você, como eu, não o fez, tudo bem, também. Provavelmente, além de ondular essa discussão, nossos gestos não servirão, na prática, para quase nada.

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Por Gooldemberg Saraiva / Contato: (88) 9 9972-5179 bergsaraiva@gmail.com




Comentários

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  1. SIM. Muda sim! E aproveita para mudar depois para a bandeira do Brasil, do Ceará e do Quixadá, finalmente. Solidariedade não deveria ter nacionalidade, nem raça. Mas o que está sendo discutido nas redes sociais é que para a grande mídia (incluindo vocês) a solidariedade tem nome, nacionalidade, raça e principalmente, muito dinheiro no banco. Aguardo a publicação.

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