Decisão judicial que vetou prorrogação da patente abre caminho para a venda de versões mais baratas de remédios contra impotência
Ao longo do segundo semestre deste ano, pelo menos cinco fabricantes de medicamentos genéricos vão brigar por uma fatia de mercado do Viagra, um dos mais importantes segmentos da indústria farmacêutica. As pílulas de cor azul criadas pela Pfizer respondem por um terço dos R$ 500 milhões que o mercado de remédios contra impotência sexual movimenta no País.
O prazo para o início dessa disputa foi estabelecido em juízo. Na quarta-feira, a segunda seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ) julgou o recurso do Instituto Nacional de Propriedade Industrial (INPI) e negou à Pfizer o direito de prorrogar a exclusividade sobre o princípio ativo do Viagra, o citrato de sildenafil ou citrato de sildenafila. A partir do dia 21 junho, dia seguinte ao vencimento da patente, qualquer laboratório pode lançar sua versão genérica do medicamento. Cinco já solicitaram registro na Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), que não revela os nomes dessas companhias.
Uma delas, no entanto, é a EMS, o maior laboratório de capital brasileiro. “Estamos em fase final para obtenção do registro na Anvisa”, diz Waldir Eschberger Júnior, vice-presidente do EMS. “Queremos ser o primeiro a chegar ao mercado.” As farmácias costumam trabalhar com duas a três marcas de genéricos, e a aposta do EMS é colocar a versão genérica do Viagra o quanto antes, conta o executivo. “Quem chega primeiro sai ganhando, consolidando o mercado”, diz.
A Eurofarma é outra que prepara uma versão do Viagra. A empresa fechou acordo de fornecimento e distribuição com a própria Pfizer, conforme antecipou o iG. As empresas estão discutindo os detalhes do acordo. Para a Eurofarma, que já vinha se preparando para lançar uma versão genérica, a parceria com a Pfizer lhe garantiria acesso a uma fonte de matéria-prima incontestável para um produto similar de marca.
A Pfizer corre ainda mais contra o tempo. A fabricante americana poderá fechar o acordo com a Eurofarma ou então produzir por conta própria – o que ela não costuma fazer tradicionalmente ao redor do mundo. No ano passado, a Pfizer tentou comprar a Neo Química, com sede em Goiás, e perdeu a disputa para a Hypermarcas. Agora, circula a notícia de que tenta adquirir também goiana Teuto.
Mais consumidores
Quem conhece o mercado prevê que a chegadas dos genéricos vai deslanchar uma disputa poucas vezes vistas no segmento de medicamentos contra a impotência. “Haverá um aumento significativo da concorrência e da massa de consumidores”, diz o médico Ogari de Castro Pacheco, presidente e co-fundador do Cristália, laboratório fabricante do Helleva, concorrente do Viagra com outro princípio ativo. O motivo: a queda do preço.
Normalmente, um genérico custa em média 35% menos que um medicamento de marca, mas Ogari acredita que nesse caso os valores podem ser ainda menores. Um comprimido do Viagra sai por cerca de R$ 25. “Os preços podem cair até pela metade e os genéricos com certeza vão canibalizar importantes fatias de mercado do Viagra”, diz. “Será um duro golpe para a Pfizer, mas uma vantagem para o consumidor.” Para a Cristália, diz Ogari, o cenário não muda muito. “Nos preparamos para esse momento”, diz. “Poderia ocorrer neste ano ou no ano que vem, não importa. O fim da patente do Viagra era inexorável.”
Imbróglio legal
A Pfizer lançou o Viagra em 1998, mas o registro foi feito quase uma década antes. Pela legislação brasileira, a proteção deveria valer no País até junho de 2010. O INPI, responsável pelo registro de patentes no País, não concordou e a disputa foi parar na Justiça. A Pfizer ganhou em primeira instância, mas o INPI recorreu e agora venceu.
A assessoria jurídica do órgão entende que não cabe recurso à Pfizer porque apenas matérias de caráter constitucional podem ser julgadas pelo Supremo Tribunal Federal, última instância do Judiciário. Em comunicado oficial, a Pfizer diz que não se pronunciará até receber a sentença oficialmente.
Na interpretação de alguns especialistas, a empresa tem ao menos uma alternativa de recurso. A Pfizer pode tentar recorrer (ainda que com mínimas chances de sucesso) para ganhar tempo. Enquanto a decisão não for dada em definitivo, nenhum laboratório vai correr o risco de colocar seu genérico no mercado. A lei prevê que a pena pela venda de um genérico com patente em vigência seja o reembolso do faturamento e não o ganho. Em outras palavras, se o laboratório vender o genérico por 100 e lucrar 10, terá que reembolsar 100 ao dono do produto original. “Quem perde é o consumidor que é privado do direito de pagar menos por causa de um expediente protelatório”, diz o ex-executivo com grande experiência no setor.
Por ora, o INPI considera a decisão do STJ um marco legal. “Brigamos por muito tempo e conseguimos consolidar um princípio da lei brasileira”, diz Jorge Ávila, presidente do INPI. “Acreditamos que a decisão servirá de base para definir o futuro de 30 outros medicamentos que estão na mesma situação do Viagra.” Segundo o INPI, nessa lista constam remédios contra várias enfermidades, como hipertensão, diabetes e tipos diferentes de câncer, como leucemia.
A Associação Brasileira das Indústrias de Medicamentos Genéricos (Pro Genéricos) também comemorou. Qualificou a decisão como “histórica”. Juridicamente, na avaliação da entidade, cria-se o precedente para impedir que outras empresas possam prorrogar o prazo de validade de suas patentes. “Com a decisão, os laboratórios do setor de genéricos podem trabalhar com um horizonte definido na pesquisa e desenvolvimento de uma nova geração de produtos”, diz o presidente da Pro Genéricos, Odnir Finotti. “Antes, com o imbróglio jurídico, isso era impossível.”
Fonte: IG