A telenovela: mocinha ou vilã?

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Por Jards Nobre

Antes mesmo de Babilônia, nova novela da Rede Globo, estrear, as redes sociais foram inundadas por uma onda de postagens acusando a obra de atentar contra a família brasileira e pedindo que a população dê zero de audiência ao folhetim das nove. O motivo: a novela aborda prostituição, adultério, corrupção, ganância e, mais uma vez, homossexualidade. Algumas postagens chegam a aconselhar a não ver novelas, pois elas seriam uma péssima influência sobre as pessoas, induzindo-as ao vício, ao crime e à perversão. Mas, afinal, até que ponto uma telenovela pode agir sobre o comportamento dos telespectadores? Por que apenas as telenovelas, e não os filmes ou os livros – que também são narrativas ficcionais – são alvo de críticas da camada mais conservadora de nossa sociedade?

A origem da visão preconceituosa sobre as telenovelas remonta às posições políticas radicalizadas pós-1964. Como a televisão muitas vezes servia de instrumento de propaganda do Regime Militar, boa parte dos intelectuais começou a rejeitá-la, sem dissociar o meio de comunicação em si, extremamente rico em possibilidades, do controle autoritário que se tinha sobre ele. Daí, disseminou-se a ideia de que telenovela aliena, ou que só “ensina” coisas ruins, que melhor é ler um livro etc.

Entretanto, os grandes clássicos da literatura estão cheios de violência, adultério, ganância, corrupção, todos esses temas que as novelas também abordam e, muitas vezes, nos livros, a narrativa é tecida de forma bem mais explícita e potencialmente mais impactante do que nas novelas, uma vez que a leitura de um livro se faz solitariamente, enquanto à novela, em geral, se assiste acompanhado. Quanto aos filmes, além de também abordarem temas polêmicos, estão bem à frente das produções televisivas quando se trata de sexo e de violência e, não obstante as tentativas dos pais de evitarem que seus filhos vejam filmes inadequados para a idade destes, as obras estão disponíveis na internet e nas locadoras e qualquer menor pode ver um filme para maiores sem muita dificuldade. Então não seriam os grupos conservadores injustos com as telenovelas?

Ao contrário do que costuma ocorrer com filmes e livros, as telenovelas são poderosos veículos de campanhas humanitárias. Explode coração (1996), abordando o drama de crianças desaparecidas, fez com que centenas de pessoas tidas como perdidas fossem encontradas; Laços de família (2001) fez subir o número de doadores de medula óssea; Páginas da vida (2006) encorajou os pais de portadores da síndrome de Down a não se envergonharem de seus filhos e a lutar pela inclusão. Destaco ainda o caráter informativo das telenovelas, através das quais os autores levam certas discussões para um público relativamente pouco informado. Nesse sentido, as chamadas novelas de época trazem grande contribuição para o conhecimento da história do país, como Lado a lado (vencedora do prêmio Emmy de Melhor Telenovela de 2013), que mostrava as transformações histórico-culturais no Rio de Janeiro do início do século XX, bem como tantas outras (Sinhá Moça, Terra nostra, Esperança etc.) que tinham suas tramas ambientadas em momentos importantes da história do Brasil.

Interessante notar que uma telenovela nunca se antepõe aos fatos. Ao contrário, ela leva para o público o assunto que ainda não é muito conhecido e discutido, mas que já é realidade e que precisa ser debatido. Assim foi com a questão da barriga de aluguel numa novela que tinha esse nome, com a questão da comunicação virtual na já citada Explode coração, quando a internet ainda não havia se popularizado e as redes sociais estavam apenas engatinhando, com a questão da clonagem em O clone (2002), etc.

É verdade que as telenovelas de hoje estão mais persuasivas do que as de décadas anteriores. Isso se explica pelo fato de que, até meados dos anos 90, apesar de a censura já ter sido extinta no país nessa década, os autores ainda eram meio receosos em abordar certos temas. A primeira novela a abordar a homossexualidade de forma explícita foi Vale tudo (1988), mas os autores, cedendo a pressões de entidades conservadoras, mudaram o enredo, causando a morte de uma das personagens gay. Já em A próxima vítima (1995), quando o tema novamente veio à tona e de forma mais explícita ainda, conta-se que o ator André Gonçalves, que fazia um homossexual na novela, foi agredido fisicamente na rua.

É óbvio que se tem de levar em conta que uma telenovela é um produto comercial, que se vende ao público e que se exporta para diversos países. Como todo produto que se quer vender, procura acompanhar os anseios dos consumidores. Não dá mais para, em plena segunda década do século XXI, apresentar ao público uma obra nos moldes das novelas dos anos 80 para trás, que não podiam debater quase nada devido à censura. Essa fase da sociedade brasileira já está superada. Ainda assim, comparando-se com os seriados americanos, que equivalem em popularidade às nossas telenovelas, o que se produz aqui no Brasil ainda é bastante conservador. Qualquer um que acompanhe seriados sabe que neles “beijos gay” são comuns e a violência está num nível bem mais elevado do que o que se vê em nossas telenovelas.

Seja como for, por mais que acusem uma telenovela de ser má influência, a realidade é bem pior do que o que qualquer obra dessas já ousou mostrar. Vi tantas cenas de novelas emocionantes, de perdão, de superação, de reconhecimento, de renúncia e de demonstração de amor! Tantas personagens fortes que seriam excelentes exemplos de vida, como a Raquel (Regina Duarte) de Vale tudo, o Raul (Antônio Fagundes), pai incorruptível de Insensato coração, os atuais mocinhos Vinícius (Thiago Fragoso) e Regina (Camila Pitanga) da já execrada Babilônia! Em todas as novelas, os bons sempre se dão bem ao final, os maus são punidos (com raras exceções) e a esperança prevalece, o que definitivamente não acontece na vida real. A mensagem final é sempre a de que o crime não compensa, a de que o amor vence tudo, e essa mensagem é fundamental para o público!

Quisera eu que a vida fosse como nas novelas! Nunca vi uma novela em que um casal asfixiasse a filha e jogasse o corpo dela pela janela do 6° andar! Nunca vi uma novela em que a filha se juntasse ao namorado e ao cunhado para matar, com barras de ferro, os pais enquanto eles dormiam! Nunca vi uma novela em que a esposa traída matou o marido, esquartejou seu corpo e saiu distribuindo o cadáver por aí! Nunca vi uma novela em que um menino de doze anos matou a avó, a tia-avó e os pais e depois se matou! Nunca vi uma novela em que o pai estuprou sua filha bebê, em que um homofóbico levou um gay para um beco e lhe cortou fora o pênis, em que uma mulher se tornou amante do marido da filha e se juntou a ele para matá-la! Todos esses crimes hediondos foram reais, eu li e vi reportagens nos jornais sobre eles. Será que os criminosos assistiam às novelas da TV? Acho que não! Talvez se assistissem, teriam sido pessoas mais humanas.

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1939528_618218221566995_219904570_o-259x300Sobre o autor: Jards Nobre é especialista em literatura, mestre em linguística, escritor e membro da Academia Quixadaense de Letras. 

 

 

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ATENÇÃO: As opiniões do autor deste texto não necessariamente representam a opinião do Monólitos Post, de seus editores e demais colaboradores. Neste caso específico, o autor atendeu gentilmente a um pedido nosso para escrever sobre o tema exposto. Contribuições podem ser enviadas para análise da redação e posteriormente publicadas através do seguinte endereço de e-mail: monolitospost@gmail.com

 




Comentários

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  1. E sobre os assuntos polêmicos e que devem ser discutidos pela sociedade, isso seria mais que uma obrigação, e um modo de aumentar a audiência. Além disso, essa suposta liberdade moral e ética pregada pelo modelo americano de democracia é tão somente mais um rótulo de propaganda da sociedade capitalista moderna. Que vende sonhos, vende estilos, quer vender praticamente tudo o que você poderia ser. Lembrando que os USA podem ser considerados um dos países mais racistas do mundo.

  2. Sobre a parte do “eu nunca vi”, é bastante poético, simbólico, pois acho que as novelas mostram tragédias equivalentes. Claro que não são idênticas, pois seria muita coincidência ou até premonição, cá pra nós…
    E as novelas têm caráter político sim! Elas estão sendo produzidas para influenciar a opinião pública e para direcionar todo o país. A verdade é que os objetivos das telenovelas são ambiciosos. Claro que existem exceções.
    Novelas como Avenida Brasil não se preocupam em maquiar nada. Inclusive o modelo norte americano de intervenção atual é muito bem explicito. Falo das ONG’s e da influência das multinacionais e do modelo capitalista norte americano / sionista. Isso é fato!!!

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